Em declarações à agência Lusa, Bruno Gonçalves relatou que em 49 anos de vida nunca sentiu tanto racismo como hoje em dia, apontando que existe “provocação autêntica”.
“Eu sinto na pele todos os dias quando vou a um supermercado e sinto na pele que o segurança só me falta levar o cesto e ajudar-me a carregar as compras”, denunciou, afirmando sentir que existe “um clima de desconfiança, um escrutínio diário”.
“Não olham para o Bruno enquanto pessoa, o cidadão licenciado, o cidadão que já foi autarca. Primeiramente, olham para mim como um cigano, com todos os estereótipos associados”, reforçou dizendo ainda que não vai desistir de lutar.
A fundadora da Associação Costume Colossal, Susana Silveira, dá o seu testemunho de como foi despedida de um emprego após perceberem que era cigana.
“Afinal alguma coisa está errada e não eu que não me quero integrar. Será que não é antes esta sociedade que não me quer receber?”, questionou, frisando que “há bons e maus em todo o lado”, tanto entre os portugueses ciganos, como entre os portugueses que não são ciganos.
Apesar de serem dificuldades comuns à sociedade, Susana acredita que a falta de habitação e a dificuldade de encontrar emprego são agravados na comunidade cigana devido à discriminação e ao racismo.
Bruno Oliveira, fundador da Associação Intercultural Cigana (Incig), para quem o acesso à habitação e ao emprego e os discursos de ódio estão no topo da lista, partilha a sua opinião: “Mesmo quem tenha condições de alugar uma habitação ou comprar uma casa, há sempre a parte da discriminação associada à comunidade cigana, ou seja, não basta a situação socioeconómica em que as comunidades ciganas vivem, em termos de pobreza”.
Bruno Oliveira acrescenta que o mesmo se passa em relação ao emprego, “em que muitas pessoas [ciganas] têm que ocultar a sua identidade cultural para que não sejam despedidas”.
Relata ainda que as dificuldades no acesso ao emprego e à habitação potenciam situações de exclusão, às quais se somam problemas de saúde que são, em parte, a explicação para que os ciganos tenham uma esperança média de vida inferior à da comunidade maioritária.
De acordo com o vice-presidente da Associação Letras Nómadas, e tendo por base estudos da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA), “uma portuguesa cigana vive em média menos 12 anos do que uma mulher da sociedade maioritária”.
Por outro lado, sobre o problema da habitação, Bruno Oliveira referiu que “há estudos que dizem que 33% das comunidades ciganas que vivem em tendas e barracas” em Portugal.
“Outro condicionamento que temos é que se tentamos levar isto a um tribunal e provar que esta pessoa foi vítima de um ato racista, isso não existe, não conseguimos provar”, salientou Susana Silveira.
Bruno Oliveira apontou que em Espanha vão ser comemorados os 600 anos da chegada ao território dos primeiros cidadãos ciganos, salientando como em Portugal a realidade é bastante diferente, apontando que o anticiganismo se normalizou.
Defendeu que antes era um sentimento que “muitas das vezes estava adormecido”, enquanto hoje a realidade traz uma normalização desse sentimento e um “apedrejamento diário que se faz através de um partido político às comunidades ciganas”.
“Já não há vergonha social de colocar todos no mesmo saco e de generalizar. E tem sido muito fácil porque se vai normalizando o anticiganismo no nosso território”, denunciou.
Defendeu, por isso, que se tomem medidas, nomeadamente pela inclusão do anticiganismo no enquadramento jurídico, uma vez que “é um crime” e “uma forma de racismo que está a ser propagada de uma forma muito forte”, que “tem de ser punida”.
“Não vamos desistir”, garantiu.